Alguma terra foi distribuída, algum dinheiro foi dado. E sóAs ruidosas diferenças entre PT e PSDB sobre o tratamento a dar ao MST e outras organizações da luta rural encobrem uma concordância básica: para ambos, a reforma agrária deixou de fazer sentido no atual estágio do desenvolvimento capitalista brasileiro.
O diagnóstico comum não surpreende quem acompanhou a formação das duas correntes políticas. Já nos anos 1970 era a posição dos teóricos e militantes dos grupos que estão nas raízes do peessedebismo e do petismo. Que aliás remetem à antiga Ação Popular, organização da esquerda católica nos anos 1960.
A derrota do PC do B na guerrilha do Araguaia talvez reste para a História como o marco simbólico dessa transição de conceitos. Saía silenciosamente de cena a luta pela distribuição de terra, entrava o combate dos trabalhadores rurais pela carteira assinada, condições dignas de trabalho, etc.
Nas últimas décadas, a reforma agrária persistiu no noticiário, e mesmo em políticas compensatórias de governos. Alguma terra foi distribuída, algum dinheiro foi dado. Os movimentos sociais passaram a ser recebidos em palácio. E só.
Qualquer um que conversa a sério com Luiz Inácio Lula da Silva a respeito pode informar sobre a opinião dele: a reforma agrária deveria ter sido feita lá atrás; como não foi, agora o quadro é outro.
Aos movimentos sociais, recursos e discursos em doses suficientes para aplacar as tensões. Já a política agrária para valer é feita com os grandes parceiros empresariais.
Dos transgênicos ao álcool combustível, passando pela luta em defesa do boi e da soja na fronteira agrícola, nenhum presidente conseguiria ser mais “ruralista” do que Lula foi.
A oposição que Lula sofre no assim chamado agronegócio é fundamentalmente ideológica, consequência das dúvidas ainda existentes sobre a transformação radical nos compromissos estratégicos do PT.
O business rural preferiria um câmbio menos apreciado? Sim, desde que o governo também desse um jeito de impedir o encarecimento dos insumos e maquinaria importados.
E se Lula é o campeão do real valorizado, o vice-campeão foi Fernando Henrique Cardoso. Antes e agora a agricultura tem sido vista como mecanismo eficaz de controle inflacionário, numa transferência maciça de renda do campo para a cidade.
O que não chegaria a ser problema, se essa renda estivesse sendo usada para promover um crescimento industrial acelerado. Em vez de um pedaço de terra, um bom emprego. Talvez menos seguro, mas ainda assim atraente. Especialmente porque a tendência dos jovens rurais — irrefreável — é ir para cidade. Por razões óbvias.
Onde está a encrenca? No fato de a sociedade brasileira carregar com ela um viés anti-industrialista, que vem desde a colonização portuguesa. Sorte que dos três principais candidatos, pelos menos dois, Dilma Rousseff e José Serra, são em teoria “desenvolvimentistas”.
Digo em teoria porque nenhum dos líderes da corrida pelo Palácio do Planalto disse até agora como vai fazer para criar os milhões e milhões de empregos industriais necessários para absorver a mão de obra nacional, especialmente a jovem.
Enquanto José Serra enfatiza a dureza de tratamento a quem atenta contra o direito de propriedade, Dilma procura o contraponto relativo, ressaltando que prefere o diálogo. Sim, mas e o que fazer com a reforma agrária? Onde estão as diferenças?
E tem mais. Quais as medidas práticas que cada candidato vai adotar, se for eleito, para desde o primeiro dia de governo reverter a tendência recente de perda de participação da indústria nas exportações? Como fazer para desconcentrar o crescimento industrial, sem prejudicar as regiões já desenvolvidas? Quais os investimentos previstos para a formação maciça de mão de obra exigida por uma nação que escolhe o rumo da industrialização acelerada?
E, se é possível fazer, por que ainda não foi feito?
CatastrofismoO vazamento de petróleo no Golfo do México foi uma catástrofe, mas também parece ter havido muito catastrofismo. Aqui, aliás, Lula deu azar. Os americanos conseguiram começar a resolver o problema bem no dia em que o nosso presidente questionou a competência deles para achar a solução.
Claro que nem Lula nem a Petrobras tinham ideia de como solucionar a encrenca, mas quem disse que o presidente perderia a oportunidade de pontificar sobre as dificuldades alheias? De espargir lições abstratas?
Picuinhas à parte, o mais surpreendente é que a natureza e a ação do homem estão reduzindo os efeitos do desastre bem mais rapidamente do que se imaginava. Quem achava que o problema dali jogaria água fria no nosso pré-sal deu com os burros n’água.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quinta (29) no Correio Braziliense.
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